Sabe,
aquele que você joga fora.
Esse
mesmo.
Empacotado,
é.
Não, pode terminar de jogar fora, eu espero.
Terminou?
Ótimo.
Senta
ai, deixa eu te contar uma história.
Se
é longa? Pô, nem sei. Eu não inventei ainda.
Risos
ecoaram no ar, enquanto ele abria a janela da sala. Aquele que estava fechando
a tampa de lixo virou-se e seguiu o caminho de concreto que levava até a porta.
Era uma casa simples, tinha uns cômodos, uns quartos e um banheiro. Parecia uma
caixa de sapato do lado de fora. E de dentro também.
Era
branca, toda branca, dentro e fora. As portas eram de madeira, pintadas de
madeira. Da cor que você preferir, porque os dois não ligavam.
Os
dois estavam sentados no sofá agora. Ele estava seco, como sempre. O couro
colava e logo logo estaria suado também. E seco, não mais.
Enquanto
você recolhia toda aquela sujeira, eu estava lavando a louça.
Sim,
aquela que estava na pia.
Porcelana?
Não, não temos porcelana.
Era
branco, sempre foi branco. Mas nunca foi porcelana.
Te
enganaram? Como, se quem comprou fui eu?
Me
enganaram? Não, acho que não. O preço era razoável.
Mas
era isso que eu ia te contar? Não, claro que não.
Mas
eu não inventei ainda, então pode ir fazer o que tem que fazer.
E
então ele se levantou do sofá. Qual deles? Os dois, ora. Ou um só, não sei. Não
deu tempo de ver, eu tenho outras coisas para fazer também, não posso só ficar
narrando a história. Minha comida está no fogo cara, paciência. Não, na panela,
que está no fogão, com uma chama embaixo. Pensou que eu carbonizava o que comia?
Não, provável que nem dê para digerir algo assim.
E
enquanto você me distraiu com essa conversa, o sol já havia nascido. Que horas?
O que? Que o sol nasceu? Não sei, onde você mora? Não, eu ia dizer 6 da manhã,
independente disso. Ah, você quer saber que horas são, são 16h17min agora. Não
sabe o que é 16h17min? Significa 4 e 17 da tarde, ou 4:17PM, se você é de outro
sistema de horas. Não, na história ainda é 6 da manhã. Você deveria parar de
confundir as coisas.
E
lá estava ele, esfregando o balcão.
Quem,
você perguntou. Então, já que você me distraiu, eu não sei dizer quem é.
Se
ele tem nome? Deve ter. Todo mundo tem nome, até quem não tem nome responde por
um.
Como
ele é? Não sei te dizer, está escuro aqui. Sim, aqui onde eu estou.
Não,
ele está em um bar bem iluminado. Ele é o dono, está limpando o balcão.
Ele
é um pouco estranho, porque é feito em volta de uma plataforma de madeira que
parece um palco.
Então
faz com que o cara que está limpando pareça maior. Não, o balcão não o cobre.
Se
ele é muito alto? Não, é que a plataforma é baixa. Ela só está ali porque ele
tem uma poltrona de couro reclinável lá. Ele não gosta daquelas de bar, que não
tem encosto.
Ele
já caiu muitas vezes, se é o que você ia perguntar. Se não for, entenda isso
como um motivo.
Ele
usa a cadeira para sentar, óbvio. Ele senta porque ficar em pé em um bar sem
clientes é chato.
E
o bar continuava vazio mesmo depois que ele limpou todos os móveis. Eram de
madeira. Sim, ele gosta de madeira. Essas eram de carvalho, disso eu sei. Marrom
escuro. Nunca viu um carvalho? Bom, nem eu. Mas uma vez quando fui comprar
móveis eu vi uma com a mesma cor e soube que era de carvalho, então acho que
como representação serve. Se a história existe mesmo? Claro que sim. O que acha
que estou te contando?
Ela
é confusa para aqueles que vão ler.
Por
quê? Ah, simples.
É
porque todos estão acostumados a ter alguém que lê a história para eles.
Ou
porque eles lêem para si mesmos, mas só porque alguém se deu o trabalho de
mostrar como.
O
que a minha tem de diferente? Você não percebeu, né?
É
porque aqui, você pensa que tem duas vozes. Dois personagens.
Bom,
sim, tem duas vozes.
Uma
sou eu. E a outra é a sua.
Sim,
estou conversando com você.
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