quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Lixo



Sabe, aquele que você joga fora.
Esse mesmo.
Empacotado, é.
Não, pode terminar de jogar fora, eu espero.
Terminou? Ótimo.
Senta ai, deixa eu te contar uma história.
Se é longa? Pô, nem sei. Eu não inventei ainda.

Risos ecoaram no ar, enquanto ele abria a janela da sala. Aquele que estava fechando a tampa de lixo virou-se e seguiu o caminho de concreto que levava até a porta. Era uma casa simples, tinha uns cômodos, uns quartos e um banheiro. Parecia uma caixa de sapato do lado de fora. E de dentro também.
Era branca, toda branca, dentro e fora. As portas eram de madeira, pintadas de madeira. Da cor que você preferir, porque os dois não ligavam.
Os dois estavam sentados no sofá agora. Ele estava seco, como sempre. O couro colava e logo logo estaria suado também. E seco, não mais.

Enquanto você recolhia toda aquela sujeira, eu estava lavando a louça.
Sim, aquela que estava na pia.
Porcelana? Não, não temos porcelana.
Era branco, sempre foi branco. Mas nunca foi porcelana.
Te enganaram? Como, se quem comprou fui eu?
Me enganaram? Não, acho que não. O preço era razoável.
Mas era isso que eu ia te contar? Não, claro que não.
Mas eu não inventei ainda, então pode ir fazer o que tem que fazer.

E então ele se levantou do sofá. Qual deles? Os dois, ora. Ou um só, não sei. Não deu tempo de ver, eu tenho outras coisas para fazer também, não posso só ficar narrando a história. Minha comida está no fogo cara, paciência. Não, na panela, que está no fogão, com uma chama embaixo. Pensou que eu carbonizava o que comia? Não, provável que nem dê para digerir algo assim.
E enquanto você me distraiu com essa conversa, o sol já havia nascido. Que horas? O que? Que o sol nasceu? Não sei, onde você mora? Não, eu ia dizer 6 da manhã, independente disso. Ah, você quer saber que horas são, são 16h17min agora. Não sabe o que é 16h17min? Significa 4 e 17 da tarde, ou 4:17PM, se você é de outro sistema de horas. Não, na história ainda é 6 da manhã. Você deveria parar de confundir as coisas.

E lá estava ele, esfregando o balcão.
Quem, você perguntou. Então, já que você me distraiu, eu não sei dizer quem é.
Se ele tem nome? Deve ter. Todo mundo tem nome, até quem não tem nome responde por um.
Como ele é? Não sei te dizer, está escuro aqui. Sim, aqui onde eu estou.
Não, ele está em um bar bem iluminado. Ele é o dono, está limpando o balcão.
Ele é um pouco estranho, porque é feito em volta de uma plataforma de madeira que parece um palco.
Então faz com que o cara que está limpando pareça maior. Não, o balcão não o cobre.
Se ele é muito alto? Não, é que a plataforma é baixa. Ela só está ali porque ele tem uma poltrona de couro reclinável lá. Ele não gosta daquelas de bar, que não tem encosto.
Ele já caiu muitas vezes, se é o que você ia perguntar. Se não for, entenda isso como um motivo.
Ele usa a cadeira para sentar, óbvio. Ele senta porque ficar em pé em um bar sem clientes é chato.

E o bar continuava vazio mesmo depois que ele limpou todos os móveis. Eram de madeira. Sim, ele gosta de madeira. Essas eram de carvalho, disso eu sei. Marrom escuro. Nunca viu um carvalho? Bom, nem eu. Mas uma vez quando fui comprar móveis eu vi uma com a mesma cor e soube que era de carvalho, então acho que como representação serve. Se a história existe mesmo? Claro que sim. O que acha que estou te contando?

Ela é confusa para aqueles que vão ler.
Por quê? Ah, simples.
É porque todos estão acostumados a ter alguém que lê a história para eles.
Ou porque eles lêem para si mesmos, mas só porque alguém se deu o trabalho de mostrar como.
O que a minha tem de diferente? Você não percebeu, né?
É porque aqui, você pensa que tem duas vozes. Dois personagens.
Bom, sim, tem duas vozes.
Uma sou eu. E a outra é a sua.
Sim, estou conversando com você.
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