segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Herois do cotidiano



... O trem chegou à estação às 10h.
As portas dos vagões se abriram e rios de pessoas escorreram por elas. Essa correnteza cheirava a suor e cansaço e a sua força estava mais em quantidade do que em vontade. Sozinhos, andariam devagar, pediriam licença um ao outro e seriam educados. Mas em conjunto, formam uma única massa zangada cujo objetivo é chegar o mais rápido possível em seus destinos, nem que precisem atropelar os outros. Não há idades nas estações. Não há gêneros nas estações. Não há classes nas estações. Se você quer saber o que é um mundo onde não há diferenças e todos são tratados com a mesma rigidez militar, vá à estação da Sé no horário de pico.

Mas estou escrevendo essa história para mostrar que no meio desse mar apressado há pequenas gotas de paciência. Ou de cortesia. Mas hoje vou relatar um ato heroico, que todos os presentes esqueceram porque ninguém vê as coisas por aqui. Os olhos que estavam focados nas portas do trem na estação da Luz não podiam parar e reparar no garoto de sete anos que estava perto do vão entre a plataforma e o vagão. As portas se abriram e todos começaram o ritual de distribuir cotoveladas em quem estivesse na frente. Mas o garoto não conhecia a tradição, e em sua posição desfavorável, foi deslocado carinhosamente para dentro da vala. Mas ainda havia esperança: ele estava suspenso pela sua mochila e, portanto, não estava debaixo das enormes rodas de ferro. Por um instante, um observador anônimo parou, pelo impacto da cena. Ele estava de longe, encostado nas paredes, por saber que quando o trem chega, é melhor se afastar e esperar. Havia abandonado seu lugar privilegiado, perto da porta, para dar espaço aos ansiosos e desesperados que não viam a hora de entrar e os que estavam tão cansados, que gastariam toda a energia necessária por um banco. Mas ele foi o único que viu o garoto preso, se debatendo, enquanto os outros ignoravam e passavam por cima. Até que ele, em um movimento rápido, puxou o garoto e o colocou para dentro do trem.

Ninguém contaria essa história, até porque quem quer assumir que é responsável por tal atrocidade, mesmo que passiva? Foi preciso coragem para escrever isso. Mas sabe quem foi o mais corajoso entre nós, que relatamos essas pequenas façanhas? Os heróis que estão nelas...

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