A morte. O pequeno
momento que todos esperam, mas ninguém deseja. Não se poupam esforços para
evitá-la. Terapias, remédios, implantes. Tudo o que a ciência fabrica pode ser
utilizado na eterna luta contra o absoluto. Mas é a única constante deste
universo caótico e a certeza para tudo aquilo que existe. Um fim.
Enquanto a vida é linear, ordenada por começo, meio e
fim, assim como tudo que fazemos, aqui será diferente.
Este trabalho foi dedicado àqueles que não puderam ver o
início de sua jornada, sendo atirados para o esquecimento antes mesmo de deixarem o
seu legado. Seja por complicações médicas, tentativas de aborto por parte de
suas mães ou pelo também conhecido aborto espontâneo, que tiraram-lhes a
oportunidade de moldarem o mundo com suas histórias, atos e intervenções.
Nós, o autor, em conjunto da minha cobaia Nº 2, Matheus
Martins, possuímos duas peculiaridades que eu desejo ter como abertura deste
perfil. Não é a história mais agradável, visto que até hoje não temos muitas,
mas é algo em que temos orgulho de passar para vocês por intermédio deste
texto.
Matheus Martins, quando nasceu, teve o cordão umbilical enrolado
no pescoço, formando uma simbólica forca que demonstrou exatamente qual era o
seu desejo no dia de seu nascimento. Enquanto à mim, devido a paciência com que fui
dotado pelos meus antepassados por meio do código genético, fui paciente em
esperar 10 meses para vir ao mundo. Meu nascimento só foi possível por
intervenção médica.
Se pensarmos a respeito, essa trivialidade não revela
menos que uma estatística e não acrescentaria em nada ao mundo, pois não se trata
de algo extraordinário, importante ou decisivo para a humanidade. Seria, no
máximo, uma anedota bizarra para contar aos amigos.
Porém, toda existência é efêmera do ponto de vista histórico,
mas cada ser fez do nosso mundo o que ele é hoje e cada vida perdida (ou, cada
nascimento interrompido) nos tiram possibilidades que seriam únicas. E aqui
entra o segundo relato.
Nós tivemos a sorte de sobreviver e compartilharmos estes
casos, porém, não diríamos o mesmo dos dois indivíduos a seguir:
Maila, ou May, cuja data de nascimento não é lembrada
pelo irmão, não teve a chance de participar do constante processo de construção
do mundo, porque não se sabe de alguém que tenha sobrevivido a um aborto
espontâneo. Mas o interessante nesse caso é a teoria que Matheus formulou,
baseado em observações e lembranças de sua infância.
Apesar de nebulosas e confusas, recorda que visitou um
orfanato (mesmo que dentro do carro, enquanto seus pais iam e voltavam) durante
um longo período e sempre se lembrava de sua mãe chorando quando saía, o que o
levou a crer que sua irmã teria sobrevivido, mas que por alguma complicação
desconhecida, não pôde viver junto a eles. Isso se tornou sua motivação pessoal
e disse que investirá na busca pela verdade sobre sua irmã no futuro.
Quanto a mim, não tenho uma teoria ou história
interessante sobre meu irmão (que seria o médio, sendo eu o primogênito) e a
única imagem que tenho dele é a de um frasco de vidro com um líquido rosado onde
ele está flutuando e prefiro acreditar que é apenas o meu cérebro sendo
inconveniente. Eu só tinha 4 anos na época, então até eu duvido que teria sido
ele. Ele não completou 4 meses e ainda não sabiam qual seria seu nome, mas seu
legado é, por mim, aqui deixado.
Quando falamos em nomes, Matheus olha torto e sabe que eu
vou comentar sobre seus apelidos. Na verdade, o correto é a sua condecoração e
o nome que ele mais odeia.
Vamos pelo mais antigo, o nome que, quando é usado para se
dirigir a ele, faz com que ele exploda de raiva. É um nome comum, Pedro.
“Não me chama de Pedro!”, ele responderia se estivesse
aqui. Eu poderia dizer que, quando ele era pequeno, as pessoas costumavam
chamá-lo de Pedro porque diziam estas que esse parecia ser o nome dele. Essa é
uma versão da história. E é a mais chata também. Sem falar que acontece até
hoje, sendo a última na quinta-feira passada (14/11/2013), por sua professora de algoritmo.
A versão boa (ou trash, sendo o motivo visível daqui a
pouco) é em 2001, quando ele ainda estava em Maringá, cidade localizada no
Paraná, na 1ª série do fundamental. Havia um garoto chamado Pedro, que possuía
ossos-de-vidro (de acordo com Matheus, não sabendo se ele realmente sofria de osteoporose
ou alguma outra doença relacionada aos ossos) e que sempre se aproveitava disso
para provocar os outros e sair impune.
Mas um dia, Pedro empurrou Matheus e ele, como toda
criança da década de 90, empurrou ele de volta, fazendo-o cair e quebrar os
dois braços, formando uma pose horrível, com os braços deslocados para trás. A
partir daquele dia, todos o chamaram de Pedro. Apesar do incidente, Matheus não possuía nada contra Pedro, exceto a raiva pelo nome.
Já a condecoração tem um teor cômico e foi dada a ele em
2009 por seu antigo professor de história na 8ª série, 2 dias após conhecê-lo.
Apresento-lhes minha cobaia Nº1, Thiago Bosquê, também conhecido como Café.
Nº 1 porque ele seria o alvo para o perfil. Mas até mesmo
nosso mestre com problemas de fidelidade possuía suas fraquezas. Entre elas,
não queria ser identificado. Não deixou que usassem as partes interessantes na
biografia. E foto? Eu vi que pedir uma seria por um fim (abortar?) a entrevista
que mal começou. É claro que, com o decorrer da entrevista, ele se sentiu como
quem sai de uma seção de descarrego e chegou a quase chorar, mas o máximo que
saiu daí foi um “porque é muito legal isso que você está fazendo” e a permissão
para usar o nome. Mas…
Continuando
com a condecoração, ela foi concedida a Matheus após uma piada feita a respeito
de sua vida e da sua situação após uma briga (ou guerra) com seu antigo grupo
de entretenimento, o DecalcoMania. Da
piada, não se lembra com exatidão, mas “era algo sobre eu ser adotado e Trezy,
minha gata, ir embora também”. Eu não tive permissão para reconstituí-la, então
esta pérola está perdida nos confins do espaço-tempo.
Mas, de acordo com Café, ela foi tão boa e, ao mesmo tempo,
mostrava que nosso amigo estava tão “na merda” que ele disse: "Nossa, mas você
é um fracassado. E o pior é que você ainda nos faz rir com a sua desgraça. Você
é como um lorde. Sir Loser."
Este
título foi o primeiro passo na criação do Matheus que conhecemos hoje, o humor
negro lhe caiu como uma luva e referências sobre o nazismo (e uma foto dele com
o bigode, mas que não pude trazer) lhe renderam o apelido de Nazi.
Apesar
de termos mostrado só uma pequena parte do sofrimento de Matheus, não podemos
esquecer das coisas boas. Ou, para ser mais específico, Black Sabbath.
O
dia 11 de outubro (de 2013) foi a razão de Matheus, nosso anti-herói, ainda não
ter terminado a vida à la Cobain e o dia em si se mostrou o ponto mais
promissor de redenção que sua vida pôde encontrar. (Até agora...)
Do
que ele mais se orgulha é de como conseguiu a camiseta que ele usa na foto (não tenho mais...). Ela
não é só uma vestimenta, mas um troféu em homenagem ao seu sofrimento e ao seu
grande dia, “como um pedido de desculpas do mundo por tudo o que me fez
passar”. Esta pode ser uma das maneiras de contá-la:
Matheus
e seu meio-irmão, Guilherme, no caminho para o show do Sabbath, são abordados por um serelepe vendedor que ofereceu-lhes
uma camiseta da banda por 35 reais. Ele, como todo brasileiro, já barganhou com
o comerciante para pegar 2 por 50 e, com o mesmo aceitando a proposta, vestiu a
sua camisa, como uma criança que abre o doce assim que ganha.
Percebendo,
porém, que a sua camisa não possuía o desejado “Eu fui”, ficou pensando em
alguma maneira de trocá-la. Tentou vender de volta, mas pela inexistente
possibilidade de obter o retorno ou a camiseta que queria, abandonou a ideia.
E acabou optando pelo imprevisível.
Ele
entrou em uma barraca de camisetas e perguntou se poderia trocar a dele por uma
que confirmasse a sua presença no show. E como se o destino sorrisse para eles
(talvez como desculpas pelas inúmeras ofensas), eles conseguiram o que pediram
sem mesmo precisar apresentar um comprovante de que a compra foi feita ali.
A
hora de entrar no Campo de Marte foi outra demonstração de sorte e genialidade,
porque eles não pegaram fila apenas por seguir reto, sem rumo e como quem não
quer nada em busca da mesma. Quando eles chegaram perto das catracas, uma vasta
multidão surge de portões atrás deles e, discretamente, eles se misturam e
desfrutam da sua vitória inesperada.
É
claro que não foi perfeito, visto que 6 horas debaixo do sol ouvindo AC/DC, sendo amassado e de estômago
cheio, não demorou para que ele esvaziasse suas entranhas antes do fim do show.
E é claro, durante a entrevista, ele comentou que, se morresse agora, pelo menos
ele viu o Sabbath ao vivo.
Ele
estava muito perplexo pela emoção que foi estar no meio daquelas 75.000
pessoas, sendo que esperava desde o dia em que disponibilizaram os ingressos
para aquele momento, e pela entrevista sobre o show ser feita três dias depois
(sem falar que ele se perdeu no caminho para meu bunker e ficou muito, muito
nervoso), não temos informações o suficiente para tecer (costurar, eu não uso
internetês) um novo capítulo.
Sobre
Matheus Martins, ele está cursando tecnólogo em Jogos Digitais, terminando seu curso
técnico em Mecatrônica (onde eu também estou presente) e pretende retomar seu
trabalho no Youtube e ressuscitar o DecalcoMania. Ele também ganhará uma
irmã (meia-irmã) ou, como ele a chama, o “bebê-golfinho” em meados de janeiro.
Ele
não está nem um pouco feliz, porque tem 18 anos e acabou de ganhar mais um
motivo para sair de casa o mais cedo que puder, esperando apenas ser liberado
do seu curso técnico para arrumar um emprego e começar a juntar suas economias
para abandonar o ninho.
Poderia
ter sido fácil terminar agora, mas eu ainda tenho mais coisas para acrescentar.
Primeiro, tirar a foto desse cara foi a parte mais difícil deste trabalho.
Sério, além de ter demorado até a data de entrega para estar “pronto”, ele
tirou a barba ontem só para isso. Não sem antes tirar a melhor foto do mundo,
mas não me deixar usá-la…
Eu
tinha uma cobaia Nº3. Como não coube aqui, e eu conheci ela no ônibus no dia
14/11/2013 e ela estava tão nervosa na entrevista que eu precisei segurar a mão dela
para o gravador (celular) captar a voz dela. Mas, foi divertido.
Não
vou citar o nome, já que ela não estreou aqui como um possível contraponto ao
meu amigo, Sir Loser (e por ela estar no conselho tutelar desde 2010 e saber
onde eu moro). Sem fotos também. Mas apenas que fiquei triste por ela ter se
machucado gravemente no sábado, impossibilitando-a de realizar uma ação de
caridade em um orfanato para crianças que foram vítimas de aborto.
Felizmente,
esta ação será adiada. (Já aconteceu, viva!)
Quanto
a mim, o que resta é finalizar este perfil com a seguinte frase, que resumiria tudo
o que foi dito nessas "páginas":
“…Antes
fracassar do que desistir. E se for para fracassar, que seja fazendo o que
gosto.”
O vídeo é em homenagem ao Café, que, assim como eu, concorda que certos covers são melhores que os originais...
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