terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Memórias de Pedro e um tributo aos que não puderam nascer



A morte. O pequeno momento que todos esperam, mas ninguém deseja. Não se poupam esforços para evitá-la. Terapias, remédios, implantes. Tudo o que a ciência fabrica pode ser utilizado na eterna luta contra o absoluto. Mas é a única constante deste universo caótico e a certeza para tudo aquilo que existe. Um fim.

            Enquanto a vida é linear, ordenada por começo, meio e fim, assim como tudo que fazemos, aqui será diferente.

            Este trabalho foi dedicado àqueles que não puderam ver o início de sua jornada, sendo atirados para o esquecimento antes mesmo de deixarem o seu legado. Seja por complicações médicas, tentativas de aborto por parte de suas mães ou pelo também conhecido aborto espontâneo, que tiraram-lhes a oportunidade de moldarem o mundo com suas histórias, atos e intervenções.

            Nós, o autor, em conjunto da minha cobaia Nº 2, Matheus Martins, possuímos duas peculiaridades que eu desejo ter como abertura deste perfil. Não é a história mais agradável, visto que até hoje não temos muitas, mas é algo em que temos orgulho de passar para vocês por intermédio deste texto.

            Matheus Martins, quando nasceu, teve o cordão umbilical enrolado no pescoço, formando uma simbólica forca que demonstrou exatamente qual era o seu desejo no dia de seu nascimento. Enquanto à mim, devido a paciência com que fui dotado pelos meus antepassados por meio do código genético, fui paciente em esperar 10 meses para vir ao mundo. Meu nascimento só foi possível por intervenção médica.

            Se pensarmos a respeito, essa trivialidade não revela menos que uma estatística e não acrescentaria em nada ao mundo, pois não se trata de algo extraordinário, importante ou decisivo para a humanidade. Seria, no máximo, uma anedota bizarra para contar aos amigos.

            Porém, toda existência é efêmera do ponto de vista histórico, mas cada ser fez do nosso mundo o que ele é hoje e cada vida perdida (ou, cada nascimento interrompido) nos tiram possibilidades que seriam únicas. E aqui entra o segundo relato.

            Nós tivemos a sorte de sobreviver e compartilharmos estes casos, porém, não diríamos o mesmo dos dois indivíduos a seguir:
            Maila, ou May, cuja data de nascimento não é lembrada pelo irmão, não teve a chance de participar do constante processo de construção do mundo, porque não se sabe de alguém que tenha sobrevivido a um aborto espontâneo. Mas o interessante nesse caso é a teoria que Matheus formulou, baseado em observações e lembranças de sua infância.

            Apesar de nebulosas e confusas, recorda que visitou um orfanato (mesmo que dentro do carro, enquanto seus pais iam e voltavam) durante um longo período e sempre se lembrava de sua mãe chorando quando saía, o que o levou a crer que sua irmã teria sobrevivido, mas que por alguma complicação desconhecida, não pôde viver junto a eles. Isso se tornou sua motivação pessoal e disse que investirá na busca pela verdade sobre sua irmã no futuro.

            Quanto a mim, não tenho uma teoria ou história interessante sobre meu irmão (que seria o médio, sendo eu o primogênito) e a única imagem que tenho dele é a de um frasco de vidro com um líquido rosado onde ele está flutuando e prefiro acreditar que é apenas o meu cérebro sendo inconveniente. Eu só tinha 4 anos na época, então até eu duvido que teria sido ele. Ele não completou 4 meses e ainda não sabiam qual seria seu nome, mas seu legado é, por mim, aqui deixado.

            Quando falamos em nomes, Matheus olha torto e sabe que eu vou comentar sobre seus apelidos. Na verdade, o correto é a sua condecoração e o nome que ele mais odeia.
            Vamos pelo mais antigo, o nome que, quando é usado para se dirigir a ele, faz com que ele exploda de raiva. É um nome comum, Pedro.

            “Não me chama de Pedro!”, ele responderia se estivesse aqui. Eu poderia dizer que, quando ele era pequeno, as pessoas costumavam chamá-lo de Pedro porque diziam estas que esse parecia ser o nome dele. Essa é uma versão da história. E é a mais chata também. Sem falar que acontece até hoje, sendo a última na quinta-feira passada (14/11/2013), por sua professora de algoritmo.

            A versão boa (ou trash, sendo o motivo visível daqui a pouco) é em 2001, quando ele ainda estava em Maringá, cidade localizada no Paraná, na 1ª série do fundamental. Havia um garoto chamado Pedro, que possuía ossos-de-vidro (de acordo com Matheus, não sabendo se ele realmente sofria de osteoporose ou alguma outra doença relacionada aos ossos) e que sempre se aproveitava disso para provocar os outros e sair impune.

            Mas um dia, Pedro empurrou Matheus e ele, como toda criança da década de 90, empurrou ele de volta, fazendo-o cair e quebrar os dois braços, formando uma pose horrível, com os braços deslocados para trás. A partir daquele dia, todos o chamaram de Pedro. Apesar do incidente, Matheus não possuía nada contra Pedro, exceto a raiva pelo nome.

            Já a condecoração tem um teor cômico e foi dada a ele em 2009 por seu antigo professor de história na 8ª série, 2 dias após conhecê-lo. Apresento-lhes minha cobaia Nº1, Thiago Bosquê, também conhecido como Café.

            Nº 1 porque ele seria o alvo para o perfil. Mas até mesmo nosso mestre com problemas de fidelidade possuía suas fraquezas. Entre elas, não queria ser identificado. Não deixou que usassem as partes interessantes na biografia. E foto? Eu vi que pedir uma seria por um fim (abortar?) a entrevista que mal começou. É claro que, com o decorrer da entrevista, ele se sentiu como quem sai de uma seção de descarrego e chegou a quase chorar, mas o máximo que saiu daí foi um “porque é muito legal isso que você está fazendo” e a permissão para usar o nome. Mas…     

Continuando com a condecoração, ela foi concedida a Matheus após uma piada feita a respeito de sua vida e da sua situação após uma briga (ou guerra) com seu antigo grupo de entretenimento, o DecalcoMania. Da piada, não se lembra com exatidão, mas “era algo sobre eu ser adotado e Trezy, minha gata, ir embora também”. Eu não tive permissão para reconstituí-la, então esta pérola está perdida nos confins do espaço-tempo.

            Mas, de acordo com Café, ela foi tão boa e, ao mesmo tempo, mostrava que nosso amigo estava tão “na merda” que ele disse: "Nossa, mas você é um fracassado. E o pior é que você ainda nos faz rir com a sua desgraça. Você é como um lorde. Sir Loser."

Este título foi o primeiro passo na criação do Matheus que conhecemos hoje, o humor negro lhe caiu como uma luva e referências sobre o nazismo (e uma foto dele com o bigode, mas que não pude trazer) lhe renderam o apelido de Nazi.

Apesar de termos mostrado só uma pequena parte do sofrimento de Matheus, não podemos esquecer das coisas boas. Ou, para ser mais específico, Black Sabbath.
O dia 11 de outubro (de 2013) foi a razão de Matheus, nosso anti-herói, ainda não ter terminado a vida à la Cobain e o dia em si se mostrou o ponto mais promissor de redenção que sua vida pôde encontrar. (Até agora...)

Do que ele mais se orgulha é de como conseguiu a camiseta que ele usa na foto (não tenho mais...). Ela não é só uma vestimenta, mas um troféu em homenagem ao seu sofrimento e ao seu grande dia, “como um pedido de desculpas do mundo por tudo o que me fez passar”. Esta pode ser uma das maneiras de contá-la:

Matheus e seu meio-irmão, Guilherme, no caminho para o show do Sabbath, são abordados por um serelepe vendedor que ofereceu-lhes uma camiseta da banda por 35 reais. Ele, como todo brasileiro, já barganhou com o comerciante para pegar 2 por 50 e, com o mesmo aceitando a proposta, vestiu a sua camisa, como uma criança que abre o doce assim que ganha.

Percebendo, porém, que a sua camisa não possuía o desejado “Eu fui”, ficou pensando em alguma maneira de trocá-la. Tentou vender de volta, mas pela inexistente possibilidade de obter o retorno ou a camiseta que queria, abandonou a ideia. E acabou optando pelo imprevisível.

Ele entrou em uma barraca de camisetas e perguntou se poderia trocar a dele por uma que confirmasse a sua presença no show. E como se o destino sorrisse para eles (talvez como desculpas pelas inúmeras ofensas), eles conseguiram o que pediram sem mesmo precisar apresentar um comprovante de que a compra foi feita ali.

A hora de entrar no Campo de Marte foi outra demonstração de sorte e genialidade, porque eles não pegaram fila apenas por seguir reto, sem rumo e como quem não quer nada em busca da mesma. Quando eles chegaram perto das catracas, uma vasta multidão surge de portões atrás deles e, discretamente, eles se misturam e desfrutam da sua vitória inesperada.

É claro que não foi perfeito, visto que 6 horas debaixo do sol ouvindo AC/DC, sendo amassado e de estômago cheio, não demorou para que ele esvaziasse suas entranhas antes do fim do show. E é claro, durante a entrevista, ele comentou que, se morresse agora, pelo menos ele viu o Sabbath ao vivo.

Ele estava muito perplexo pela emoção que foi estar no meio daquelas 75.000 pessoas, sendo que esperava desde o dia em que disponibilizaram os ingressos para aquele momento, e pela entrevista sobre o show ser feita três dias depois (sem falar que ele se perdeu no caminho para meu bunker e ficou muito, muito nervoso), não temos informações o suficiente para tecer (costurar, eu não uso internetês) um novo capítulo.

Sobre Matheus Martins, ele está cursando tecnólogo em Jogos Digitais, terminando seu curso técnico em Mecatrônica (onde eu também estou presente) e pretende retomar seu trabalho no Youtube e ressuscitar o DecalcoMania. Ele também ganhará uma irmã (meia-irmã) ou, como ele a chama, o “bebê-golfinho” em meados de janeiro.

Ele não está nem um pouco feliz, porque tem 18 anos e acabou de ganhar mais um motivo para sair de casa o mais cedo que puder, esperando apenas ser liberado do seu curso técnico para arrumar um emprego e começar a juntar suas economias para abandonar o ninho.

Poderia ter sido fácil terminar agora, mas eu ainda tenho mais coisas para acrescentar. Primeiro, tirar a foto desse cara foi a parte mais difícil deste trabalho. Sério, além de ter demorado até a data de entrega para estar “pronto”, ele tirou a barba ontem só para isso. Não sem antes tirar a melhor foto do mundo, mas não me deixar usá-la…

Eu tinha uma cobaia Nº3. Como não coube aqui, e eu conheci ela no ônibus no dia 14/11/2013 e ela estava tão nervosa na entrevista que eu precisei segurar a mão dela para o gravador (celular) captar a voz dela. Mas, foi divertido.

Não vou citar o nome, já que ela não estreou aqui como um possível contraponto ao meu amigo, Sir Loser (e por ela estar no conselho tutelar desde 2010 e saber onde eu moro). Sem fotos também. Mas apenas que fiquei triste por ela ter se machucado gravemente no sábado, impossibilitando-a de realizar uma ação de caridade em um orfanato para crianças que foram vítimas de aborto.

Felizmente, esta ação será adiada. (Já aconteceu, viva!)

Quanto a mim, o que resta é finalizar este perfil com a seguinte frase, que resumiria tudo o que foi dito nessas "páginas":
“…Antes fracassar do que desistir. E se for para fracassar, que seja fazendo o que gosto.”


O vídeo é em homenagem ao Café, que, assim como eu, concorda que certos covers são melhores que os originais...